quinta-feira, 19 de março de 2015

"QUEM ESTUDA CORRUPÇÃO DEU RISADA DO PACOTE DE DILMA", DIZ PESQUISADORA.

Especialista diz que pacote focou apenas na punição e não deu atenção necessária para prevenção e controle

Em resposta aos protestos contra corrupção e contra o governo que tomaram conta de todo País no último dia 15, a presidente Dilma Rousseff (PT) lançou na manhã desta quarta-feira (18) um pacote anticorrupção. O projeto prevê, entre outros pontos, criminalização do caixa 2 e aplicação da Lei Ficha Limpa para funcionários comissionados dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, o que inclui os cargos de confiança. O pacote prevê ainda confisco de bens advindos de enriquecimento ilícito e alienação antecipada de bens apreendidos.

Apesar de ter sido anunciado com pompa pela presidente, ao lado dos ministros da Justiça, Eduardo Cardozo, da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a medida é vista com descrença por quem estuda o assunto.

Rita de Cássia Biason, cientista política e coordenadora do Centro de Estudo de Pesquisa sobre a Corrupção (CEPC) da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz que o pacote focou apenas na criminalização das leis e não na prevenção e controle.

“Quem estuda corrupção deu risada deste pacote, porque para combater a corrupção, temos de trabalhar em três eixos: prevenção, controle e punição. Mas cinco dos seis mecanismos instituídos visam à punição”, diz.

“Quando você quer deixar a sua casa segura, primeiro previne, colocando cercas e câmeras. Mas se você fizer isso e não acompanhar, todo o seu trabalho se perde. O que você não pode é não fazer nada e contar com aprovação de uma lei para punir o bandido, com pena capital, por exemplo. Se adiantasse o endurecimento das leis, países que aplicam a pena de morte não teriam serial killers”.

A única medida que visa ao controle, segundo ela, já apresenta falhas. “A aplicação da Ficha Limpa a cargos comissionados traz outro problema. Não basta definir quem são [os funcionários], tem de determinar quantos são. Ideal seria estipular uma porcentagem máxima de comissionados para cada instituição. Isso seria o controle efetivo”, diz.

Corrupção fácil

Para Rita, os poucos mecanismos de controle e prevenção brasileiros favorecem a corrupção. “O Brasil falha há décadas em controle e prevenção. É fácil ser corrupto em qualquer lugar do mundo. A diferença está no controle. Nós temos leis em excesso que não são aplicadas”.

Apesar de ainda lamentar os problemas brasileiros em relação ao tema, a professora não ignora o avanço neste tema nos últimos 30 anos.

“Há 20 anos nós só tínhamos o código penal, que previa penas para corrupção ativa e passiva, concussão e peculato. Mas era muito difícil provar os crimes. A introdução da lei da improbidade administrativa, responsabilidade fiscal, lei da transparência, lei de acesso à informação, lei da Ficha Limpa. Além disso, temos o papel das ouvidorias. Isso é uma melhora em relação à introdução de processos punitivos. Do nada que tínhamos, já é um avanço.

Protestos

Para a pesquisadora, os protestos que atraíram centenas de milhares de pessoas nas ruas no último domingo representam um aumento da sensibilidade do cidadão em relação aos escândalos de corrupção.

“A sensibilidade do eleitor em relação aos desvios de recursos públicos aumentou. Agora ele faz a relação entre os impostos pagos, desvios de recursos e políticos enriquecendo. Isso também vem por conta do número de denúncias que chegam”.

Segundo ela, o brasileiro chegou a um limite em relação à corrupção e por isso foi às ruas no último domingo. Para ela, esse limite independe do partido político no poder.

“As notícias constantes fazem surgir um processo catártico. O problema está tão próximo que não dá para fugir. Além disso, tem uma série de fatores, como crises econômicas, insatisfação com todos os políticos, cobrança de promessas de campanha que não estão sendo cumpridas”, diz Rita.

Ela afirma que esse processo de insatisfação com o governo federal deve, em breve, chegar aos governadores e prefeitos.

“Esse movimento logo se voltará para Estados e municípios. O governo federal tem mais visibilidade e a mobilização é do maior para o menor. O cidadão começa a deslocar o olhar e pensa: se na União está assim, imagina na cidade. Acho que com o tempo vai ter um acompanhamento mais criterioso dos municípios, e mesmo prefeitos com maioria de vereadores nas Câmaras vão ter problemas para administrar a cidade de forma independente”, finaliza.

Fonte:  Último Segundo/IG (Ana Flávia Oliveira)

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