A superlotação do sistema prisional brasileiro e suas deficiências no processo de recuperação dos detentos são desafios que os candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais devem enfrentá-los e dizer para a sociedade como resolvê-los. Para Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), os candidatos também terão de enfrentar a sociedade que cobra por mais medidas punitivas que levam ao aumento da população carcerária.
Segundo o pesquisador, medidas como a implementação de penas alternativas e reintegração dos presos não são bem aceita pela sociedade. “A melhor solução, acho que seria reduzir essa massa de pessoas [nos presídios], mas o medo e a insegurança são sentimentos disseminados na sociedade. É difícil fazer a aprovação dessas medidas num ambiente social e político que não é favorável a isso”.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, o Brasil tem uma população carcerária de 473.626 presos. Desse total, 152.612 são presos provisórios, 174.372 cumprem pena em regime fechado e 66.670 em regime semi-aberto. Os números também mostram que, em 2009, o sistema recebeu 23.624 presos e saíram, por efeito de alvarás de solturas e de habeas corpus, 19.277).
Salla disse ainda que o sistema prisional brasileiro tem problemas crônicos, como a deficiência do número de vagas, a falta de assistência jurídica e as péssimas condições de vida aos quais os presos estão submetidos. “Nunca conseguimos ter um sistema prisional com capacidade suficiente de vagas para dar conta do fluxo de entrada e saída de presos. Isso é uma questão central que continua sendo um problema enorme para os futuros administradores do Brasil".
O governo federal pouco interfere na gestão dos presídios, que é feita pelos governos estaduais. Segundo o pesquisador, não adianta os estados receberem recursos federais para investir na construção de presídios e não melhorar a qualidade do serviço do sistema. “Geralmente, os estados gostam muito de receber recursos, mas não gostam de implementar diretrizes, sejam as que já estejam estabelecidas em lei, sejam aquelas que o próprio governo federal coloque como fundamentais para uma melhoria do sistema”.
Salla acredita que a melhoria do sistema prisional passa fundamentalmente por muito comprometimento político diante da situação precária vivida pelo setor. “Nessa área com certeza há muita coisa que se fazer, há muito para discutir e melhorar. Estamos em 2010, é injustificável a gente ter uma área da administração pública tão mal organizada e tão mal administrada como os sistemas penitenciários e prisionais em geral”.
De acordo com a advogada da organização não governamental Justiça Global, Tamara Melo, a única iniciativa do governo para desafogar o sistema penitenciário é a política de construção de vagas. “A gente sabe que isso não resolve. É lógico que quando a gente entra numa delegacia e vê uma situação de superlotação absurda pensa que se houvesse vagas facilitaria o sistema. Mas, o problema é que não funciona”, disse.
Ela defende que o governo, a sociedade e a mídia façam um debate sério sobre desencarceramento, ou seja, medidas que aliviem os presídios. Segundo Tamara Melo, atualmente, há muitos projetos de lei que podem piorar o sistema prisional, pois apostam na prisão como saída de todos os problemas. “Isso é falta de criatividade das políticas públicas, você pensar que a cada problema que surge na sociedade a resposta é: vamos criminalizar. A criminalização de condutas, na imensa maioria, não resolve o problema, só aumenta a criminalidade”, afirmou.
Para a advogada, uma política criminal de intervenção mínima tem de começar a ser pensada e elaborada pelos futuros governantes. “Isso envolve mudanças legislativas, descriminalização de determinados comportamentos, redução de pena, facilitação de progressão de regime”.
Além da situação de super encarceramento, Tamara Melo cita a tortura como um dos principais problemas do sistema. De acordo com ela, os relatórios da sociedade civil mostram vários casos de tortura que não são investigados. “No Presídio Urso Branco, em Rondônia, que a gente [da Justiça Global] acompanha desde 2000, são mais de 100 mortes que não foram responsabilizadas, principalmente quando se trata de agente público”.
“É fundamental que se crie uma política pública de prevenção da tortura. Não é possível um país que se diz democrático ter uma realidade como esta. Tortura não só no que diz respeito ao espancamento, mas também esta realidade degradante que se equipara à tortura”, disse.
Fonte: Agência Brasil (Daniella Jinkings)
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