"O cheiro da mulher exala mesmo debaixo desta farda", disse um policial homem para uma policial feminina. Por causa de absurdos como esse, algumas mulheres passaram a se precaver dentro da PM
Ser policial militar não é fácil. Ser policial militar feminina, pior ainda. Todo o militarismo (uma ordem decadente que insiste em permanecer, evocando uma tradição do Exército) imposto aos homens dentro da Polícia Militar de Sergipe fica ainda mais cruel, sórdido e sujo quando é imposto às mulheres que fazem parte desta instituição. Tudo bem que fizeram o mesmo concurso e decidiram entrar numa força militar, mas os casos de assédio moral, sexual, constrangimentos, transferências irregulares e humilhações expõem as bravas Pfems - assim que elas são chamadas dentro da corporação - ao ridículo.
Ordens esdrúxulas de superiores que se aproximam das mulheres com suas 'segundas intenções'. "Se coloque no seu lugar de soldado, ele é um coronel", disse um oficial superior para uma Pfem. É disso aí pra cima. Ou pra baixo, já que a humilhação a que são submetidas as mulheres da Polícia se aproxima do sujo, do espúrio, do cínico, do macabro. O absurdo do machismo foi a criação de uma escala de Pfems. Na lógica louca da PM, existem as bonitas, as medianas e as feias.
Baseados nisto, os oficiais colocam as bonitas para trabalhar em seus gabinetes. E que diferença existe entre a feia e a bonita tanto para o serviço burocrático quanto para o serviço ostensivo? Não deveria existir nenhuma. De acordo com uma Pfem que por motivos lógicos prefere não ser identificada, uma colega era assediada por um comandante de um Posto de Atendimento Cidadão - PAC. "Ele sabia ser discreto, não fazia nada dentro do PAC. Mas quando ela chegava em casa recebia ligações e mensagens no celular", relata a policial.
"Ela era muito bonita e sempre teve o sonho de trabalhar nas ruas ajudando a população. Depois deste assédio, ela procurou superiores para relatar o que acontecia, mas dois dias depois foi transferida para o interior do Estado", lembra a Pfem. Ou seja, parece que era ela quem estava errada. Pois no seio do militarismo e do machismo o correto seria a mulher ceder aos desejos do oficial, e ficar tudo por isso mesmo. A mesma policial relata o caso de uma amiga que teve problemas de coluna, por isso foi levada para o trabalho no Quartel do Comando Geral - QCG.
"Quando ela estava lá, um coronel a chamou para sair. A policial disse que era casada. Ele respondeu que não tinha problema. Ela disse que ele se respeitasse e se retirou da sala. Dias depois recebeu a informação de que seria transferida para Propriá", revela a policial. A imposição do cargo de coronel se mistura com assédio moral de homem, e as estrelas da farda do oficial superior não deveriam ser usadas como armas de intimidação às mulheres policiais.
DIVIDINDO O MESMO BANHEIRO
A policial lembrou ainda do caso do soldado Hademucles que foi acusado de ter abusado de uma colega de farda (ele é aquele que fora preso no Eduardo Gomes recentemente acusado de estuprar uma moça e a mãe dela) e disse ainda que dentro da PM existe até um 'tarado por Pfem'. "Esse tarado não podia ver uma policial entrar no banheiro que ia no outro banheiro e se masturbava. Foi aberto um procedimento de investigação contra ele", lembrou. Por causa destes absurdos a Pfem passou a tomar algumas precauções. "Eu passei a dormir com a arma embaixo do travesseiro quando pernoitava nas companhias da PM. Não confio em mais ninguém", diz.
Os alojamentos dos policiais militares não oferecem a mínima condição de convívio entre um homem e uma mulher na PM de Sergipe. Aliás, pelo que se conta, não são só os alojamentos. A cultura e a tradição também não. Nas companhias e batalhões não existem banheiros e dormitórios específicos para as mulheres. "A policial feminina pode trabalhar junto com os homens, mas elas precisam de locais reservados para sua assepsia. Já houve casos na corporação de policiais femininas que passam por constrangimentos por terem de dormir junto com homens ou utilizarem os mesmo banheiros", explica o sargento Jorge Vieira da Cruz, gestor da Caixa Beneficente da PM.
"Já cheguei a dormir no corredor da Companhia ou dentro do almoxarifado porque só tinha homem no alojamento", lembra a Pfem. É uma situação constrangedora para uma mulher. "Acontecem certas coisas comigo e com minhas amigas dentro da PM que eu me sinto enojada, tenho vontade de vomitar. Temos casos de policiais femininas que tomaram banho no banheiro masculino e foram observadas por homens", diz a PM.
Para se ter noção das dificuldades em ser uma policial na PM de Sergipe, somente nos últimos dias é que elas conseguiram a licença-maternidade de seis meses. Isso porque o Comando seguiu determinação da Procuradoria Geral do Estado para tal. "Por que ela é policial não é uma mãe como outra qualquer?", cobrou o sargento Jorge Vieira. "Defendemos a hierarquia e a disciplina, mas somos contra o militarismo e o Regime Disciplinar do Exército. Se um homem enfrenta dificuldades dentro da corporação, imagina o que não passa uma mulher?", diz Vieira.
Pfems sofrem com infecções urinárias
As escalas e os serviços prestados pelas mulheres na PM de Sergipe acabam sendo cruéis em determinados casos. Durante o Pré-Caju o trabalho acaba sendo castigante, a mulher fica por mais de 3 horas em determinado posto, o homem pode resolver suas necessidades fisiológicas em determinado local, mas para as Pfems a situação pode ser constrangedora. Durante uma destas previas carnavalescas uma policial teve de ficar em um posto e com o tempo ela passou a sentir necessidade de ir ao banheiro.
"Ela pediu para ir, mas não recebeu autorização devida para sair do seu posto. Depois de 3 horas fez xixi na farda, ali mesmo", lembra a policial. Sorte da mulher que choveu e isso acabou mascarando todo o constrangimento pelo qual teve de passar. "A consequência de tudo isso é a infecção urinária", diz a Pfem. Segundo ela, no QCG o banheiro feminino fica fechado, alimentando a cultura de que ela terá de pedir as chaves a um 'deles' para abrir.
As mulheres da PM passaram a usar algumas estratégias para que o lado feminino fosse menos aflorado. "Para nos protegermos, deixamos de usar maquiagens. Pela legislação, somos obrigadas a usar maquiagem discreta, mas paramos de fazer isso porque chamava a atenção para a mulher e tirava a atenção da policial. Passamos a usar roupas mais folgadas. Paramos de usar brincos, tomamos algumas posições", descreve a Pfem. A que ponto se chegou dentro da PM, de a mulher ter de ser menos vaidosa, apenas para que o seu trabalho possa ser evidenciado?
ELAS TRABALHAM
Negando outro traço cultural machista dentro da PM de Sergipe, a policial feminina não serve apenas para revistar mulheres. "Ela serve em casos de violência doméstica, contra adolescentes e em outras ocorrências específicas, além do serviço ostensivo como um todo", disse a policial. Alguns policiais homens reservam também um certo tipo de preconceito contra as colegas de farda. "Percebemos desconfiança nos colegas, provações e testes", lembra a mulher. "Na PM você é considerada menos capaz do que os outros colegas", afirma a Pfem.
Um caso emblemático na PM foi o que aconteceu com um tenente-coronel e uma soldada. Ela sofreu perseguições de todos os tipos, inclusive com ameaça de prisão. Ela só não foi detida porque conseguiu um habeas corpus preventivo. O parecer do promotor Jarbas Adelino, no processo número 200920600192, ele é claro ao informar que o 'tenente-coronel usou de sua patente de oficial superior para angariar vantagens de natureza pessoal, em detrimento dos valores e princípios da administração pública'.
Mas por que tudo isso? Apenas porque a soldada teria tido uma discussão na faculdade com a suposta namorada do tenente-coronel. A partir daí ele deu início a uma série de perseguições contra a Pfem apenas para demonstrar poder, para demarcar seu território. "Percebe-se com clareza solar a manifesta intenção dos altos escalões da corporação militar de punir a paciente, simples soldado, em razão desta ter tido um problema de natureza particular com uma namoradinha de um oficial superior", diz o promotor Jarbas Adelino em seu parecer.
RESPOSTAS
A PM de Sergipe prefere fazer vistas grossas a esta realidade. A Assessoria de Comunicação informou que não há nenhum tipo de preconceito da instituição em relação às mulheres. "Essas informações sobre preconceito são abstratas. Ou seja, não possuem fundamento palpável", diz o capitão Robson Donato.
A Assessoria informou que quanto aos alojamentos ou dependências para policiais femininas, sempre se procura a devida adequação para que seja mantida a privacidade peculiar, quer seja do homem, quer seja da mulher que trabalha na Polícia Militar.
Fonte: Cinform (Fábio Viana)
Nota: Parabéns ao Jornal Cinform pela excelente matéria.
é vergonhoso que esse tipo de coisa aconteça dentro de uma instutuição militar . onde foi para a honra, a bravura e a hombridade dos homens e soldados sergipanos?
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